Elisa sabia que não era como as outras crianças.
Quando nasceu trouxe a morte e encaminhou sua mãe á cova. Foi filha da tristeza e não tinha remorso nisso, possuía sabedoria o suficiente para não culpar-se por isso.
Era a caçula de uma família de 5 mulheres - e a única que possuía juízo, diga-se de passagem.

Elisa ouvia algumas histórias de terror quando era pequena e sentia muito medo, mas isso não impedia que ela dormisse serenamente. Tinha certeza que nada daquilo lhe afligiria.

A menina acordava toda terça-feira e ia caminhar no jardim, conversava com as plantas e podia jurar que as respostas delas eram mais verdadeiras do que as que suas irmãs lhe davam quando Elisa lhes perguntava sobre a vida.
"Você pergunta demais, Elisa. Cale-se mais!", ouvia tal resposta de seus parentes.
As plantas guiavam Elisa até um vale onde moravam algumas pessoas diferentes de sua família. A garota então começou a morar por ali mesmo. Ia para casa toda vez que o sol resolvia dormir, mas voltava no dia seguinte, sempre depois do almoço.

Fazia chuva ou sol, lá estava Elisa interagindo com aquelas pessoas. 
Tinha 10 anos a menina e amava vestidos rodados. Brincava na areia e jamais sujava seus vestidos, era muito cuidadosa a tal menina.
Tinha 10 anos, mas possuía atitudes de um adulto dotado de grande sabedoria.

Penteava seus cabelos toda noite no mínimo 80 vezes, e foi assim que acumulou escovadas e aprendeu a contar até o infinito.
Então toda vez que se irritava com algo ia para o seu quarto e penteava os seus cabelos. Assim perdia seus problemas lá pela 67ª escovada, e nunca mais os recuperava.

Elisa não sabe quando as visões começaram, só sabe que foi meio que no meio de sua vida que ela conheceu Sara. E mal sabia ela o quanto essa garota traçaria o seu destino.
Sara tornou-se a melhor amiga de Elisa, instantaneamente. As garotas praticamente moravam juntas e era como se Sara fosse mais irmã de Elisa que suas próprias irmãs.

Foi em um dia de verão que Elisa conheceu o Emílio.
Tinha belos cabelos ruivos aquele jovem e sempre uma barba baixa, como se tivesse feito a mesma há uns dois ou três dias.
Era valente e sedutor o tal moço, de olhos azuis piscina e sardas nas maças do rosto, corava com facilidade. Tinha a pele cor de leite e o sorriso mais lindo da cidade de Sobradinho, onde moravam Elisa e sua família.

Como a vida não é justa com ninguém, não foi também com Elisa.
Numa visita de rotina sua amiga Sara lhe relatara que se casaria com o Emílio, o moço a quem Elisa tanto tinha apreço.
Elisa calou-se por muito tempo, uma hectare de semanas. Foi inevitável o afastamento da amiga, mas ela estava consciente de que Sara de nada tinha culpa, nem Emílio, nem ela mesma.

Depois do casamento do casal, Elisa se limitou a fazer crochê e a tocar piano para alguns idosos de um abrigo.
E foi nesse mesmo lugar que ela conheceu várias histórias de gente que viveu amores, que não viveu amores. Gente que já nem sabia quem era e gente que inventava estórias para sair de sua própria realidade. 
Elisa viu de tudo e amou aquelas pessoas.

Havia uma tal Vera que amava muito a jovem Elisa, como se fosse sua filha.
Era uma senhora meiga, adora usar rosa, tinha uma gargalhada contagiante.
Elisa visitava Vera todas as quinta-feiras a tarde e jurava serem aqueles os momentos mais felizes de sua vida.

Um dia Vera começou a deixar de existir e confessou a Elisa que era ela uma bruxa, que tinha 200 anos e que não tinha filhos, por isso precisava passar tudo que havia construído para outra pessoa. Mal sabia Elisa do que se tratava.
Obviamente estava fora de si a tal mulher, delirando.
Elisa então ouviu tudo com atenção, dedicou-se a cuidar de Vera, mas ela não resistiu e deixou de existir.

Meses depois Elisa recebeu uma carta em casa sobre um tal testamento de Vera. Dias depois tomou conhecimento de que uma fortuna lhe pertencia.
Ficou deslumbrada, mas nunca fora ambiciosa a tal Elisa. Não diferente de outras pessoas sentiu extrema angustia, chorou por dias e depois decidiu tomar posse do que era seu de direito.

Dentre as coisas que havia herdado, estava a casa de Vera.
Porque Vera havia ido para um abrigo se era tão rica? Porque havia procurado um serviço precário se podia ter inúmeros empregados?
Mudou-se Elisa para o casarão e lá permaneceu em extrema solidão.
O dinheiro que havia em sua conta era tamanho, que ela se sustentaria por 3 vidas seguidas.

Em uma dessas saídas na rua Elisa se encontrou com Emílio e conversaram por um longo e prazeroso tempo. Não perguntou por Sara, é bem verdade, haviam perdido contato desde o casamento.
Os encontros tornaram-se rotineiros e um dia Elisa convidou o rapaz para um chá na sua casa. Pensou muitas vezes em seguir os seus instintos, mas tinha muito mais nobreza que qualquer ser humano na terra.

Em contraste, Emílio queria aquela mulher. Ela era linda, delicada, educada, era doce. Seus passos eram leves, sua voz era macia.
Ele lhe aparecia com mil e uma queixas do trabalho, da vida, e ela o ouvia pacientemente.
Aconselhava no que podia, pois nunca havia se casado, sendo assim não tinha como contribuir em muita coisa.

O chá se repetiu inúmeras vezes e o coração de ambos já palpitava tanto que estavam sofrendo de taquicardia de amor verdadeiro.
Talvez isso tenha contribuído para os acontecimentos a seguir, talvez não.

Numa manhã qualquer Elisa acordou de olhos abertos, conseguia ouvir e sentir coisas que eram desconhecidas.
Ouvia passos, vozes, gritos e via vultos. Era severamente cruel! Ela estava sozinha vendo todas aquelas coisas, quem a apoiaria?
Afirmava com veemência que estava esquizofrênica, louca, desnorteada.

Com o tempo as coisas se intensificaram e ela conseguia ver e ouvir com maior nitidez todas aquelas coisas sobrenaturais.
Isso começava a afastar ela do mundo real. Dia e noite ela era contatada por aquelas coisas, que ela mesma chamava de espíritos. Tentava não deixar isso transparecer, mas estava visivelmente abatida.

Nessa dura caminhada ela teve uma visão. Nela Sara tentaria envenenar Emílio em dois dias.
Apesar de achar-se louca, Elisa confiava em seus novos dons.
No dia seguinte ela tinha que contar aquilo para o rapaz, mas não sabia como fazê-lo.
Combinou então dele ir tomar um chá com ela em dois dias, no dia do suposto envenenamento.

Emílio estava decidido a largar Sara para ficar com Elisa.
Ele já havia comunicado a esposa que o casamento estava acabado, e que ele não queria acabar junto com a relação.
Prometeu dar uma estrutura financeira a ela, até a mesma conseguir se manter sozinha.
Não tinham filhos, então tinham menores problemas.

Ocorre que Sara não se conformou com essa história.
Não sabia o porque da decisão do marido. Seu casamento era um tédio desde o primeiro dia que se casaram, porque só agora ele quis se manifestar?
Não podia ficar jogada ao vento, de mãos atadas.
Uma mulher separada naquela época não tinha respeito, ao contrário de uma viúva.
Sara amava aquele homem, mas ao mesmo tempo odiava ele. Ela queria poder voltar no tempo e não ter se casado.

Queria poder ir aos bailes, sair na rua olhando os rapazes, queria ter vários homens.



Foi pensando tamanha estupidez que comprou um vidrinho de veneno e adicionou ao suco de maracujá habitual de seu esposo. Emílio sempre tomava esse tipo de suco antes de deitar-se.

Ocorre que mal sabia ela que seu marido amava outra mulher e esperava estar nos braços de Elisa naquela noite. Emílio nunca se sentiu tão determinado a executar algo: ele pediria Elisa em casamento.



Se amaram logo depois do chá de ervas e foi perfeito, como esperavam há tanto tempo.

Elisa não quis contar suas visões para Emílio e achou que seria fácil mantê-lo ali a noite toda.
Adormeceu então de forma sublime nos braços do amado, foi Elisa a tranquilidade naquela noite.



Não contava com o fato de que Emílio voltaria para sua casa na madrugada, porque estava decidido a pegar suas coisas e sair do antigo lar no dia seguinte.

Chegando lá fez a sua rotina habitual antes de deitar na cama, e não mais acordou.
Morreu o moço sem nem ao menos casar-se com a mulher que amava, sem ao menos ter os filhos que queria, sem ao menos saber que morreria.



Com a noticia da morte do seu amado, Elisa entrou em parafusos. Tudo ficou pior ao encontrar um bilhete que Emílio havia deixado horas antes de partir:

"Não aceito um não como resposta. Case-se comigo hoje."



Não sentiu ódio de Sara, nem quis vingança. Era Elisa o ser humano mais nobre do planeta, e continuou sendo até deixar de existir.

Envelheceu e decidiu ir para um abrigo de idosos. Foi porque queria morrer como um ser humano normal, e contou a sua história para todos que ali estiveram.
Foi feliz mesmo somente nos últimos dias de sua vida, pois sabia que em breve encontraria seu amado.
Até que um dia conheceu uma jovem que havia matado Deus. Ela tentou de todas as formas ser parte daquela jovem e foi.



Um dia Elisa sentiu que ia deixar de existir e conversou com a jovem Vênus, uma ex-freira que havia perdido seu pai.

Disse-lhe que era uma bruxa e que tinha 200 anos, que deixaria tudo que tinha para ela, e que ela jamais deveria deixar de seguir o seu coração.
E foi assim que Elisa deixou de existir. 

Vera foi Elisa, que foi Vênus, que foi. 


Laryssa Carvalho tem 200 anos.

Arquivo do blog

Yuri Moreira Design. Tecnologia do Blogger.

Eu curto o Blog

Estamos em todo canto

Seguidores

Espiando o blog

Procure aqui