Foi com 5 anos de idade que Clarisse teve o primeiro contato explícito com a arte e se apaixonou.

Foi aquele tipo de paixão avassaladora que te faz fazer coisas que rotineiramente você jamais faria. Pagou caro por isso.



Dedicava-se as aulas de piano toda terça e quinta-feira, e foi só o pontapé inicial para aprender todos os instrumentos que estiveram ao seu alcance. Não demorou muito para que fosse Clarisse uma orquestra própria.
Sobre sua personalidade, odiava unhas grandes, não via funcionalidade nelas (que não fossem para tocar algum instrumento). Amava mar, cheiro de praia, barulho de ondas chocando-se umas contra as outras, era uma música natural.

Tinha uma sensibilidade ímpar e podia entender a dor de qualquer pessoa. 
O grande problema de Clarisse era que ao ter contato com a história dos outros, ela tendia a vivencia-las. Ou seja, era como se a pessoa transferisse todos os sentimentos daquele problema para a jovem moça. O fato é que aquilo lhe contaminava por dias, semanas, meses.
Refletia em sua arte, em seu humor, em suas composições.

Talvez por ser artista tivesse um amor infinito pelos animais, e era recíproco. Clarisse era sempre perseguida por gatos e cachorros na rua desde sempre e achava aquilo a coisa mais linda do mundo (tanto que estava sempre compartilhando essas histórias com pessoas na rua, nas festas de família, com os amigos). Realmente se sentia especial em relação aos animais.
Certa ocasião foi abordada por um cachorrinho ferido e levou-o para casa. Ocorre que esse cachorro tinha mais do que uma pata quebrada. 

Ao leva-lo ao veterinário, Clarisse descobriu que o cachorro estava com um sério problema estomacal e que uma das soluções era a eutanásia.
Descontente com o discurso do médico, decidiu arcar com as despesas do cão, mesmo que no final das contas ele morresse.
Ocorre que depois de meses lutando contra a morte, o cãozinho reagiu e venceu a tal doença.


Clarisse nunca se arrependeu das guerras que travava diariamente, mas sempre perdia a batalha quando sua timidez entrava em jogo.

Já havia perdido tantos recitais por causa dessa falta de desenvoltura em público, que já estava pensando em desistir da carreira musical.
Como poderia saber tanto de música e não compartilhar com outras pessoas?

É bem verdade o que direi a seguir: a timidez de Clarisse era a doença dela.

Talvez por isso jamais conseguisse se relacionar com rapazes, estava sempre disposta a fugir deles quando demonstravam outros tipos de interesses.
Uma vez chegou a se interessar por um garoto tímido que tinha na escola, mas a paixão só persistiu porque ela sabia que ele jamais tomaria alguma iniciativa com ela.
Um dia o rapaz tomou coragem e se aproximou dela, foi o pontapé inicial para matar todo sentimento que existia em seu coração.

Aos 19 ela começou a travar lutas violentas contra a timidez e perdeu mais do que ganhou, mas ganhou algumas vezes e isso nunca deve ser esquecido.

Foi numa dessas lutas que ela conheceu um cara chamado Joabe.

Tinha Joabe cerca de 30 anos e uma percepção artística incrível.

Jogava xadrez toda sexta-feira com seu avô, e o deixava ganhar sempre. 
Odiava futebol, mas tinha muitas camisas de times, achava a estética delas atraente.
Tinha dentes tão brancos, que era prazeroso ver o sorriso daquele rapaz. Era uma daquelas cenas que repetiríamos sem duvidas, se ele fosse um filme.

Encantou-se com a jovem Clarisse, mas percebeu a sua timidez e repulsa a relacionamentos, então traçou uma estratégia para conquista-la.

Não se sabe se era tolo ou genial o rapaz, mas de certa forma Clarisse não sentia medo que ele demonstrasse interesse.
Joabe demonstrar interesse por Clarisse demorou muito e até a moça que odiava relacionamentos estava impaciente.

Aconteceu em um sábado e Clarisse lembra bem como se fosse hoje.

Joabe a havia chamado para sair e ela tinha comprado um vestido verde água que era o único da loja e parecia estar esperando a jovem moça para ser arrematado. 
Caiu-lhe como uma luva e talvez ela jamais se sentisse tão bela novamente, como sentiu-se naquele dia.
Fez uma aquarela de sombras nos olhos e achou-se graciosa, certamente estava.

O encontro foi interessante, tentaram não conversar sobre coisas desinteressantes (como pepino, impostos, chuva e morte), mas falharam.

Foi falando de chuva que Joabe declarou-se para Clarisse, pois só ele sabia o quanto chovia dentro de si mesmo ao não ter a moça em seus braços.

Clarisse corou umas duas mil vezes e estava quase mudando de pele quando foi beijada pela primeira vez. Não teve coragem de contar ao rapaz que aquele era seu primeiro beijo, já que tinha 19 anos e isso poderia ser embaraçoso.

Não contou, mas isso não significa que Joabe não soube.

Se amaram intensamente, como uma sinfonia ritmada. 

Joabe amava aquela mulher que jurou dar a sua vida por ela, se fosse necessário.
Por outro lado a vida de Clarisse tornou-se Joabe e passava as 24 horas do seu dia pensando em formas inovadores de o fazer feliz. Era a felicidade dela o ver feliz, fazia o rapaz feliz por puro egoísmo próprio.

Foi também num sábado que Clarisse percebeu que estava amando sozinha e foi constrangedor.

Joabe havia mudado muito, mesmo sem perder o seu jeito gentil de ser. 
Já não ligava todas as noites somente para ouvir a voz de Clarisse, e na verdade estava se sentindo sufocado com essa cobrança diária.
Também havia parado de tocar a música favorita do casal quando estavam estudando juntos.
Essas duas coisas tinham um valor inimaginável para Clarisse, e a ausência delas a fazia partir.



Clarisse segurou as pontas por meses e amou sozinha até quando deu, tinha esperanças de que Joabe recobrasse o juízo e voltasse para ela.
Ocorre que amar sozinha amargura a gente, despedaça qualquer coração,
E Clarisse concluiu que nenhuma relação amorosa dura para sempre, que o amor foi feito para ser vivido por um curto período e depois ele desperta em você a necessidade de partir.

Se ela não tivesse deixado Joabe, ele jamais a deixaria. Acostumou-se a rotina de estar com uma mulher que não amava, mas que lhe entendia.

“Eu te amo” tornou-se mais automático que dar ‘bom dia’ ao vendedor de cachorro-quente, e ele já não sentia culpa em mentir sobre isso, estava apenas tentando ser feliz.

Quando acabou tudo ambas as partes se despedaçaram. Joabe sabia que jamais encontraria outra mulher que o entendesse como Clarisse, mas estava equivocado.

Clarisse, por outro lado, tentava reconstruir o seu mundo, já que ele era o tal Joabe e ele havia ido embora.

Não foi fácil! Clarisse demorou anos para se reencontrar, porque não existe coisa pior do que perde-se entre coisas e pessoas. 

Viveu carregando a frase “estou bem” por anos e depois de algum tempo nunca mais viu Joabe.
Tinha a sensação de que se encontrariam um dia qualquer e ririam de todo aquele sofrimento. Que ele ia dizer que ela era mesmo a mulher da vida dele e que queria voltar a dormir com ela, voltar a permitir que ela o fizesse feliz.
Ironicamente ela jamais viu o rapaz.

Clarisse continuou amando aquele homem até o ultimo dia de sua vida e tinha que dedicar umas 2 horas do seu tempo todo dia para recolher os seus cacos do chão e colar da forma mais adequada. Com o tempo tornou-se impossível colar os pedaços e ela passou a andar descalça por cima deles, rasgando seus pés todos os dias.
Tinha certeza que Joabe estava bem e isso era o suficiente para que ela desse três ou quatro sorrisos por dia.

Entendeu que o amor pede para que vivamos outras relações, mas que ele jamais sai de nossos corações.  Ele cria raízes, e por mais que você arranque aquela planta do solo de seu coração, ela jamais desistirá de renascer. 

Laryssa Carvalho rega a sua
planta, todos os dias.


Um comentário:

  1. vc escreve bem, gostei do que li. em alguns momentos achei que seria possivel musicar sua crônica. Lembrei de "Eduardo e Mônica".

    Valeu, xero.

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