Helena abriu os olhos e mal podia identificar onde estava. Correu com eles pela parede branca, enquanto tentava tomar o sentido do seu corpo.
Inutilmente! Sentia-se entorpecida. 
Era como se um ou dois caminhões de tijolos tivessem passado por cima dela.
E foi assim que Helena se lembra da ultima vez que esteve na realidade, das outras vezes ela já não esteve aqui.


Helena crescera numa cidadezinha chamada Sabiá. Que até onde se sabe não tinha shopping, nem sorveteria, nem banca de revista.
Sábia poderia ser chamada de a cidade das 3 ruas, onde todo mundo se conhecia.
Helena cresceu achando que o mundo se resumia naquilo ali, naquelas pessoas. E achava esse fato uma chatice do tamanho de Saturno.

Sabia que seu destino já estava cruelmente traçado: estudar na única escola da cidade, trabalhar no mercado da Luiza, namorar com algum daqueles 10 meninos que existiam lá, ter filhos e depois morrer.
Foi por amor a ela mesma, que a própria Helena se permitiu viajar.
Ela ia até a Terra do Nunca muitas vezes por dia e foi assim que ganhou o apelido de 'doidinha'.
"Ah, Helena, a doidinha? Mora alí, do lado do mercado", tornou-se conhecida.

Seus planos de independência foram por água abaixo.
A menina beirava os 20 e ainda não tinha interesse em nenhum rapaz da tal cidade.
Desenhava nas paredes das ruas e usava aquelas saias longas que a gente vê gente alternativa usando por aí. Era Helena a ovelha negra da cidade.
Se já é difícil ser a ovelha negra da família, que dirá da cidade. Sofreu Helena, carregou seu rótulo.

Até que um dia seu pai, por amor a ela e a si mesmo, resolveu que a jovem de casaria com um tal Márcio, filho de Sirino.
Helena não se agradou da ideia e brigou, esperneou, disse que não se casaria e fim.
Mas a gente sabe que em cidade pequena mulher e filha pouca autoridade tem, comparando-se com a do pai.

Talvez tenha sido a raiva, o medo ou a injuria que fizeram com que Helena partisse dessa realidade.
Numa manhã qualquer a moça acordou em 2058, sozinha.
Todos os seus familiares haviam desaparecidos e um tal coelho insistia que ela era princesa de um reino desconhecido.
Claro que Helena teve uma crise de melancolia e não aceitou o discurso dele a principio, era ela uma moça precavida.

Pelo que se têm conhecimento, coelhos não falam ou andam eretos em duas patas. Acontece que o Antônio, o tal coelho, era uma exceção de uma regra bem fatídica.
O animal pediu para que ela permitisse que ele lhe mostrasse o tal reino, que ele respeitaria os limites dela.
Para uma pessoa que nunca tinha saído de uma cidadezinha, Helena até estava bem destemida, já não sentia medo de nada.

A caminhada foi longa, havia muito a ser visto.
No começo ela passou por um jardim de sonhos, onde as flores eram os sonhos das pessoas. Helena procurou a sua flor e não achou, talvez ela não tivesse nenhum sonho que valesse a pena ser carregado numa flor.

Em seguida o coelho lhe levou num vale onde as pessoas deixavam coisas que já não mais queriam.
Helena viu coisas terríveis.
Havia um vestido amarelo que alguém havia deixado por ali, que lhe serviu muito bem. 
O coelho incentivou para que ela o pegasse, e ela o fez, e não sentiu culpa. Sabia que quem o deixou jamais sentiria falta do mesmo.
Helena também viu diários, musicas deixadas na estrada e até pessoas. Também haviam muitos animais deixados ali, conviviam tristemente com o abandono. Ela quis pegar todos para ela, mas o coelho lhe disse que para onde ela iria, não teria espaço para todos aqueles bichos.

Helena estava visivelmente entristecida. Porque as pessoas descartavam coisas e pessoas por tão pouco?
Discutiu com o coelho, que só lhe disse: "Pequena, no fundo o Deus de cada um é ele mesmo. As pessoas se acham deuses, portanto pensam ter o direito de descartar coisas e pessoas".
Helena não conseguia ver lógica naquele discurso, mas acreditou.

Ainda havia um longo caminho a percorrer e ela pensou em desistir e voltar para o vale dos deixados.
Helena não conseguia se desprender daquelas pessoas, daquelas roupas, daqueles animais. Helena queria voltar.
O coelho não permitiu. Explicou-lhe sobre como é necessário partir, deixar coisas. Disse a moça que para chegar até o fim da estrada é preciso abandonar velhos hábitos, vestir novas roupas (algumas que já foram até de outras pessoas) e seguir, apesar da vontade de ficar.
"A vontade de ficar sempre existirá, pobre menina. É mais cômodo, mas não é apropriado."
Então Helena seguiu, e podia jurar que estava segurando os cacos de seu coração na mão.

O próximo lugar que foram era uma fazenda cheia de riquezas. Tudo lhes enchia os olhos, e até o coelho mostrou-se ambicioso por uma leva fração de segundos.
Haviam belas roupas, o que fizeram Helena achar o vestido amarelo mais sem graça que domingo de chuva. Havia jóias também, além de belas e apetitosas comidas.
O coelho havia lhe alertado que não poderia pegar nada dali, ou consumir. Caso o fizesse ficaria presa eternamente naquela fazenda.
"E acredite garota, um dia esses belos vestidos e essa farta comida te fará deprimida, entediada. E não haverá saída! Você estará confinada aqui para sempre."
Foi difícil, mas Helena conseguiu resistir. O que resultou em uma penca de elogios do nobre coelho.

Na penúltima etapa do caminho Helena conheceu um castelo de vidro, do reino Confiança.
Ela ficou presa lá por meses, talvez um bilhão deles. Tentou sair muitas vezes, mas se quebrasse a porta de vidro, todo o castelo cairia. Todo pedaço de vidro era importante para manter a estrutura.
Além disso havia uma princesa que a visitava todos os dias e pedia para que trançasse seus negros cabelos.
A princesa parecia confiante, mas minutos depois começava a chorar dizendo o quanto era um nada. Helena a consolava todos os dias, fazia as suas tranças e a assistia dançar todas as noites, um pouco antes dela sumir novamente, para voltar no dia seguinte.

Mas então um dia o coelho voltou e tirou Helena do castelo.
Ela deveria estar furiosa com ele, mas ficou pensando por horas quem trançaria os cabelos da princesa e quem a veria dançar.
O coelho falou com ela que a princesa não amava Helena, que ela lhe era apenas conveniente.
Contou a moça que a princesa fazia dela um depósito de remorsos e que só lembraria dela quando precisasse de alguém para falar o quanto ela é linda, ou o quanto seus cabelos brilhavam.
"Sem você o castelo se quebrará.", disse ele amargamente.

Depois de tanto tempo o coelho aconselhou que Helena descansasse, e por isso arrumou uma rede de retalhos onde ela dormiu profundamente.
Depois de anos Helena estava sonhando novamente. Sonhou que voltara a Sabiá, que reencontrava seus pais e comprava algumas cocadas no mercado da Luiza, e então adormeceu profundamente.
Jurou que dormiu por décadas a fio, até acordar numa sala branca.

Helena abriu os olhos e mal podia identificar onde estava. Correu com eles pela parede branca, enquanto tentava tomar o sentido do seu corpo.
Inutilmente! Sentia-se entorpecida. Era como se um ou dois caminhões de tijolos tivessem passado por cima dela.

Onde estava o coelho? Porque ela não estava usando o vestido amarelo?
Tinha tantas perguntas e não conseguia nem balbuciar nenhuma delas.

Minutos depois um homem apareceu. Usava roupa branca e tinha um semblante cansado, como se estivesse acordado décadas a fio.
Ao notar o olhar confuso de Helena ele soltou um discurso sobre aquela ser a vida real.
Helena não conseguia falar nada, sua língua pesava 3 toneladas e meia, e foi a ultima vez que ela esteve na vida real.
Escolheu por si mesma voltar para o coelho, caminhar com ele e desfrutar de seu reino.
Deixou seu corpo, a pobre Helena, e tornou-se apenas alma.

Laryssa Carvalho sempre visita
Helena. É fundamental que
ela não se sinta só.

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