Vejo escorrer sobre os meus dedos - de pele luso - minhas lágrimas - africanas, enquanto sinto meu cabelo - de origens indígenas - tocar a minha pele.
É terça-feira, quase quarta e não há absolutamente nada dentro de mim que possa preencher a programação alheia...nenhuma novela, nenhuma notícia, nada que vá me divulgar.
Sou o preto mais branco, cheio de rupturas remendadas com cimento barato que a vida me proporcionou - nunca tive tempo para que eu mesma consertasse minhas rachaduras.
Sou o branco mais preto, meu céu está manchado. Tentei fechar a minha janela para que não o enxergassem, tinha medo que aquilo afastasse as visitas.
Arrumei toda a minha casa, pintei e troquei o piso. Arrumei a grama e reguei as flores. Trouxe a visita e servi o chá na varanda, havia comprado um vaso preto com desenhos orientais para enfeitar a parede verde.
Fui surpreendida, a visita queria conhecer a minha casa por dentro.
Senti frio, calafrio, um pouco disso, um pouco daquilo....
Abri a porta feita de madeira frágil, por fora ela parecia ser feita de madeira boa, mas por dentro notava-se que ela era de madeira de má qualidade...envergonhei-me, se ao menos eu soubesse que a visita entraria dentro de casa teria, certamente, arrumado as coisas também.
O gosto na minha boca agora era amargo, o chá doce degustado a pouco agora tinha gosto de boldo.
A sala estava bagunçada, algumas revistas de moda no chão, mas o que mais me impressionou foram as rachaduras que notei na parede, nunca havia parado para observar.
A visita parecia não se incomodar, andava tranquilamente, como se tudo aquilo fosse normal ou até familiar.
Ao chegar na cozinha tudo estava sujo, espalhado pelo chão, a geladeira aberta. Senti vontade de vomitar, mas jamais faria isso na minha cozinha, na frente de uma visita.
No meu quarto tive meu pior momento, desde então. A cama estava suja de cinzas e em cima dela eu via todos os brinquedos que tive na minha infância empoeirados, abandonados.
O chão parecia ser feito de vidro, pois através dele eu via um abismo enorme, escuro infinito. As paredes estavam brancas, mas o tempo as havia estragado....o cheiro de mofo era enorme e mesmo assim não notei nenhum desconforto por parte da minha visita.
De repente debati-me com o espelho, olhei para mim. Já não estava mais com vinte anos e sim com cinquenta, choquei-me com a imagem. Seria um sonho?
Olhei a visita, ela estava sentada na cama suja, sorria para mim...era eu, com vinte anos.
Eu, confortável no meu mundo desconcertado. Entre raízes tupis, luso, africanas....
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